27 outubro 2014

Ruídos

Queria matar o ruído que surgia preso ao infinito
com uma intensidade que rangia as pregas do vento.
Queria expulsar a cadência insolente dos sinos
as badaladas furtivas que ecoavam sem tino
contra as muralhas de um espaço exíguo
libertando balas, setas, cacos de vidro,
mãos e dedos de algozes vencidos
suportados por pequenos fios apodrecidos
pólvora seca de artilharia acre e preta
disparada na mira dos ataúdes do destino
sem rumo, plano ou oblíqua direcção em riste
provocando um enigmático ricochete invertido
soprado contra as masmorras de um sórdido istmo
cravado entre as rochas de uma terra distante.

Subitamente o vento amainou
abandonando o espaço
todos os excessos inglórios entorpecidos
os corpos empedernidos sem sentido
a inutilidade de todas as aleivosias dementes
a oração mutilada enxertada em mãos ausentes
revolvendo-se o chão em esplendor e ressurreição
erguendo-se visões guardadas em sublime privação
os cantos mudos
os silêncios persistentes
as sementes germinadas no escuro
as jangadas paradas em grutas anunciadas
as chamas bruscas enroscadas
e todas as imagens adormecidas
nas trevas de um vulcão celeste.

O caule das folhas ergueu-se vigoroso
contra o silêncio adormecido dos céus
o rosto encheu-se com as estrelas da noite
e os braços obscuros mirrados abriram-se
de uma só vez
como troncos que revolvem a terra do destino
em busca das raízes do pensamento antigo
trazendo palavras soltas que correm como um rio
numa enxurrada de seixos e letras polidas
desenhadas com suaves dedos sentidos
retiradas de uma caverna escondida
na teia caótica dos argumentos invisíveis
enxertados na constrição do tempo perdido
agrilhoados aos ferros
cravados no transepto do próprio peito.

CRV©2014

Sem comentários: