20 maio 2017

Notus

A casa tinha uma senda desassossegada
envolta numa imutável aura secreta
pois aguardava numa expectativa ávida

      (antes do prefácio das grafemas ideográficas)

que a luz se curvasse sobre a terra
e esgravatasse um buraco no chão
escapulindo-se o astro em perícia sem deixar rasto
eclodindo sem mordaça
o movimento artesiano das mãos

      (presságios de um combate
       contra o obscuro de uma cave)

lambendo devagar o ar eclético aperfeiçoado
com um efeito intenso brando agitado
torneando as linhas do espaço
talhadas entre o ajuste adequado do crâneo
e os feixes equidestantes do peito

Na noite invertebrada
na convergência das horas vagas
surgem as entranhas
estratégicamente posicionadas
os santos mudos em vigília adequada
a reflexão líquida desenrolada em combustão lenta soletrada
as preces
o toque leve da boca contra as paredes
a porta animal que se perde condenada
o presente futuro obstinado resgatado
inalado nos espectros que se elevam
nos ângulos obtusos da visão exumada
por dentro de uma atmosfera
pausadamente metamorfoseada
em constante mutação

Na ilha que navega sobre as águas
agarro os odres de pele disfarçados
ofertados por Aeolos com mil cuidados
ébrios com os ventos alísios aprisionados
evitando os adamastores da noite simulada 

       (os traidores que vivem do lado de fora
       os vendilhões do templo idolatrado
       os servos vendidos pagos a soldo enganado
       os que libertam os fogos sectários agitados)

escutando apenas o tranquilo cruzar das águas
embalada por Notus
numa jangada de pedra em suspensão colossal
fazendo lastro rumo aos meridianos do sul
numa recta coplanar para lá de Ítaca
lendo todas as refracções da alma,
das mãos,
dos sentidos que rebentam em vegetação subtil
cumprindo as profesias de Delfos
ceifando todas as montanhas que se atravessam
navegando de costas para o silêncio do mundo
embalada num sopro épico que se agrega
retirado de uma odisseia
feita de traços de oração seráfica
oposta às coordenadas de Ulisses

CRV©2017

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