17 janeiro 2011

Longe

Longe vai o tempo em que o vento soprava giestas
de boca fechada,
por cima das casas,
galgando insónias e rasgando frestas na memória.
Tapei as entradas com gesso branco,
fechei os olhos a florestas e montanhas,
à espuma de uma sonolência medonha,
a vozes fúnebres
que sussurravam silhuetas estranhas.

Saltei um céu rubro
que se enterrava na terra e vivia de baixo do chão.
Ensaiei conversas suspensas
por cordas armadas em movimentos bruscos . Atei
o destino de pés e mãos,
coloquei-o numa estrada transbordada de ondas
com um fluxo astronómico
a fugir de mim.
Segui num barco à vela e debrucei-me
para o ajudar a flutuar.
Soprei velas, com movimentos pálidos,
corri montanhas de lés a lés,
desfraldei o pensamento,
fechei os olhos
e espreitei debaixo de cada pedra
as confissões dos peixes
que segredavam do fundo de um poço
clarões numa imensa escuridão.

Os meus braços tinham a rigidez da secura da água
os meus olhos a palidez das estátuas.
Tropecei em exércitos inúteis de palavras,
movimentados periodicamente à chuva,
carregando o peso dos gestos mudos
e a nostalgia de um tempo fúnebre.

Como um intrépido navegador atraquei num lago de sol,
certeza isenta de véus,
num espaço que circunda o céu.
Desfraldei as velas
e explodiu uma paz deslumbrante
perdida entre planaltos de aço
inundada em doçuras de mármore branco.

Corre uma seiva limpa por detrás da memória.
Água pura
que vem aos saltos e estremece a escuridão.
Enxurrada que devora os ruídos,
projectando-se em equilíbrio,
lavando as margens esculpidas da razão.
Lago de águas calmas,
sinfonia de sangue,
poema de frutos silvestres,
reciprocidade desejada,
enclave guardado,
na tranquilidade agitada das minhas mãos.

CRV©Jan2010

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