29 janeiro 2012
Rapsodos
Abri as janelas do tempo e
entrou de rompante um confronto sublime,
pedras convergiram como torpedos,
caminhos com covas que ocultavam segredos,
escadas por onde corriam passos desesperados,
imagens que esvoaçavam,
projectadas por setas cravadas em molduras biseladas
num compósito doce de experiências amargas,
epigrama indulgente
escondido por entre a suavidade dos meus dedos.
Convergiram a calma, o estilhaço das fronteiras,
o fragor do cataclismo,
o frémito sagrado da beleza,
as torres que ruíram no frenesim incontrolável do destino,
a vontade de despedaçar as minhas mãos em palavras depuradas,
simbiose alegórica de todas as ilhas afortunadas,
escoras cravadas numa realidade ambivalente,
estátuas que se desagregaram
com o peso da respiração contra o tempo.
Apanhei todos as folhas restolhadas a meus pés,
a gravinia que se amontoara desgovernada
a hera perdida no tempo,
o musgo crescido entre as pedras acumuladas,
as flores pregadas às sombras amestradas e embrulhei-as
num manto suspenso no silêncio das minhas palavras
e atirei-as para uma pira funerária,
emulei-as numa bola de fogo
enquanto recitava um poema
e as labaredas crepitavam entrelaçadas
numa dança frenética entre rumbas e boleros,
comédia metafórica onde todas as divagações repousam agora
espaço perdido entre as silabas das palavras
e o sono eterno escondido nas dobras de um poema.
Fiquei a descansar numa sombra inclinada.
A observar os atalhos de Dante.
Caronte a levar a Barca do Inferno,
Minos a julgar no reino dos mortos,
Vergílio a esquivar-se pelo buraco da parede
E o Diabo a servir de escada para a fuga do purgatório.
No ar os anjos tocam trombetas.
Assisto à ressurreição dos mortos.
Caminhos abertos por entre estátuas dormentes,
espaço circundado por rostos que já não cortam os dedos
escolhos invisíveis das terras adjacentes
escondidos na gravitação dos meus poemas,
arrastados no silêncio que escorre e dá as mãos à solidão
sob a tranquilidade
que estilhaça as almas distantes.
Trepo por entre sombras tapadas por panos alvos,
caminhos decifrados pela Pedra da Roseta,
torres ameaçadoras que se erguem no meu espaço de batalha
perante a perplexidade muda
dos rapsodos que recitam poemas.
Planetas giram em redor do meu corpo.
Rasgos fugazes que atravessam a memória.
Imagens que se formam e explodem para dentro de grutas
Atrás das quais corro desenfreada
sucumbindo a todos os arcaísmos
que se desenham nas minhas mãos
pelo final da tarde.
CRV©2011
Etiquetas:
Ensaios CRV
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