20 março 2013

O Movimento dos Livros

Por vezes dissecamos um livro
como quem procura nas veias intrincadas de um cadáver
a razão do arcaico silêncio das palavras
rumores que espreitam por detrás de cada folha
confissões veladas
envoltas em murmúrios agitados
que se escapam por entre os dedos mudos
como velas desfraldadas ao vento
que sucumbem ao doce virar de cada página.


Como se sustem o frágil arrastar das folhas
as contradições que se amarram aos saltos no tempo
o crepúsculo das marés que se desvanecem sem fôlego
a concha onde se degladiam
todos os ventos aprisionados
em infernos de nove círculos concêntricos.


Folheio todas as páginas
com a pressa das marchas de combate
fugindo às emboscadas premeditadas
que se aglutinam num esperanto mudo deslumbrado
saltando guiões, plaquetas e libretos cantados
rios voluptuosos
feitos do amargo côncavo das palavras
solitárias obras primas
que expõem sopros abafados
segredos enxertados a negro
no enredo de todos os desassossegos.


Procuro nas reentrâncias ínfimas das entrelinhas
cortar os fios que envolvem os enredos,
decompondo as falácias elaboradas
criando uma ordem inversa das sátiras
desvendando as metáforas ensanguentadas
acariciando o doce contorno das letras
sentindo-lhes o sabor,
o áspero amargo adocicado fragor
apressando o passo contra o vento
enfurecendo os mundos que rodopiam
e que se querem erguer
assumindo espectros de gente
esventrando os galhos subterrados,
o suspense, o medo dramático
que morre entre os parágrafos
adormecidos na eternidade
como perfumadas flores secas.


Por fim
jazem esmagadas entre as páginas
mastros de barcos vergados pela implosão
de emoções desterradas
cântigos sânscritos
silenciados com o passar do tempo
vagas alteradas
cujo elegante manusear das asas
pode ser observado
em todos os pássaros que se evadem
naqueles momentos em que os livros
ganham formas abstractas e se transformam 
em almas suspensas.

CRV©2013

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