10 fevereiro 2014

Paisagens II

Decifra com a pressa de um mosquete,

     o contorno sombreado a jusante dos teus dedos
     o azul longitudinal do oceano profundo
     a cadência das ondas que se quebram no areal submerso
     as sombras das arvores que pendem sobre as fragas do riacho mudo
     as raízes embaraçadas por ferrolhos nodosos de outros tempos

e liberta todos os muros e jardins entorpecidos num repente
a cruz que recrudesce numa longínqua vereda secreta
o espasmo de todos os silêncios encorajados a completar o universo
a luz densa que nem as sombras nem as gentes conhecem
aprisionada num quadrante
onde se consomem as indulgências do tempo agreste.

Condensa numa urgência 
as palavras que brotam ansiosas do teu mundo,
revolve o cálido despedaçar do vento,
segura com as mãos a água doce das nascentes
e envolve a doce frouxidão que se eleva sorridente
num sopro de fogo que depura subtilmente
no âmago sonoro escavado lentamente
nas galerias do mato cromático ribeirinho
junto às linhas de água que emanam do teu peito. 

Quebra o crepúsculo da noite sombria
as amarras dessa respiração inexpressiva
a languidez do indulgente que se esconde no avesso do dia
e desenha um caminho sereno
com o impulso da luz ancorada na orla dos teus dedos
unindo os pontos vorazes das coordenadas com arestas verdes
à tecedura urdida dos paralelos peregrinos
construídos sobre os pilares
que unem as infinitas constelações do tempo.

Atravessa o espaço intangível com um estampido repentino
agarra-te à omissão de um emaranhado de poemas
separa a cálida revelação projectada pelas hipérboles desenhadas
e assume a passagem para a dimensão que se suspende
vislumbrando o âmago de todas as camadas que estremecem as palavras
apressadas em chegar da rocha à escultura
do poema ao dialecto
da pedra à revoada atabalhoada
dos bandos de pássaros soltos à desgarrada
do silêncio tumultuoso das estações
ao azul acinzentado do teu espanto fraga canto sequestrado
obliterado no esplendor dos portos dissipados
onde os poetas respiravam dialéctos dramáticos
insuflados pelos inesperados açoites do vento.

CRV©2013

Sem comentários: