12 janeiro 2015

Quadrantes

Habito um arquipélago sorvido entre dois quadrantes solares
fojo cravado em lugar côncavo fechado
onde gravita uma constelação de astros
por entre desfiladeiros e passagens abertas na carne
onde pulsam espectros que tecem motejos
axiomas profanos de apagado dano
e outras solitárias ribanceiras de emoções frágeis
sementes de cardo
assim como os meus passos
pedras ignotas bravas que pulsam como ondas suaves
convergindo inevitavelmente a espasmos compassados
para o prelúdio dos rios habitados
por uma torrente de metáforas convoladas em espectros ou animais.

Observo-as
nesta dualidade bipolar que me dá duas cabeças
duas bocas e quatro olhos atarrachados
num polo positivo e noutro negativo
com a estranheza de me terem sido dadas a ver
coisas medonhas escondidas nos quatro cantos dos quartos
que me assolam na pacatez das tempestades enigmáticas
braços que se elevam nas dobras das esquinas
sombras libertadoras que evoluem de buracos do chão
envolvendo-me a três dimensões
ganhando asas
por vezes um tigre da cidade
outras uma girafa polar
tomando forma abstrata ou animal
inverso aquele que habita o foro racional
como o inferno de Dante,
como o homem que engoliu o mar,
escrevendo tudo o que vejo
sem contudo ter força, placa eléctrica ou concomitância energética própria
para as minhas visões distantes,
para as minhas visões prementes,
para o superlativo alternativo vidente
que avança sobre mim em golfadas emaranhadas
numa cave impregnada de um nevoeiro denso
fechado a sete chaves
onde as ideias tropeçam na respiração que se liberta do corpo
batendo nas rochas como saltimbancos com carantonhas espaventosas,
apossando-se de mim,
da minha forma inclinada de interpretar o mundo,
o céu, a terra, o mar, os peixes,
os anjos, os demónios e as sibilas loucas
que cumprem a missão de salvadores ou cangalheiros da destruição
por entre os bosques serenos
por entre as grutas recônditas da alma
escavando no medo
exortando a glória e a desgraça
enterrando as mãos no leito dessas visões trágicas
procurando por entre todas as palavras fechadas
o seixo perfeito
alisado entre a abundância e a escassez
entre a semiose alegórica de todos os monstros de Goya
ou a paixão camoniana de Beatriz ou Inês.

CRV©2015

Sem comentários: