11 abril 2016

Vida para além da Morte

Vivia atrofiado no espasmo de um grito aferrolhado
atarracado num silêncio estrondosamente lúgubre,
longe do tempo, longe das casas, longe das gentes,
num lugar ainda não cartografado
obliterado numa afasia de farpas cravadas
em corpos debruçados sobre universos mudos

Caminhava numa atmosfera crepuscular amarga
enrolado numa mortalha fúnebre,
carregava no semblante um olhar tíbio asfixiado
estuário desolado caiado de cinzas imaculado
máscara silenciosa
dos seres agonizantes que passam pelo mundo

Encontrava-se num estado moribundo
tolhido pelas dores que padecem as pedras ao relento
inerte num corpo composto por uma miopia aguda
pronto para o início da grande noite das trevas
acomodando-se placidamente
a todos os ângulos obtusos do seu túmulo

Experimentou repetidamente o local da resignação
tirando as medidas exactas da sua agonia
dialogando com o vazio do seu corpo ausente
preferindo mil vezes a morte por companhia
deitado sobre uma cama de musgo frio ao relento
no local onde os corpos iniciam o longo abraço
com a terra aconchegada de vermes e fungos
decompondo lentamente os dilemas e as penas
daqueles que há muito se evadiram deste mundo

Recolheu os braços parados,
mirrados pela densidade dos ventos sinistros
colocando-os em posição de descanso eterno
colmatando os ruídos que ecoavam dentro do crâneo
entorpecido pelo ciclo das pedras duras e persistentes,
da alvorada à madrugada
pronto para ser enterrado, finalmente,
encontrando assim a paz desejada
tendo a morte por companhia
passaria a dialogar com Hades de frente
atando a alma a uma qualquer aleivosia
que amigavelmente a faria sair dessa imensa letargia

Preparava-se para morrer definitivamente,
aguardando a confraternização de amigos
as letras mortas e as nuvens tempestuosas
os trilhos exilados e as epifanias solitárias
porém,
por detrás de toda essa grave aparência
parecia-lhe que ainda habitava
a luz ténue de um pavio sinistro
que baloiçava em gradiente clamor absoluto
pelo que se ergueu de repente
ao som de um tambor que ressoava distante
por entre os uivos mutilados do vento
e uma explosão de elucubrações mentais urgentes
em crescendo inflamado
em surda agitação
convolando a mágoa asfixiada 
em doce sublimação
iluminando por dentro todas as noites densas 
juntando a vida, nostalgia e poemas
à germinação de um teorema complexo
feito de ideologias próprias 
e triunfantes

CRV©2016

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