08 maio 2017

Na dobra do Nada

No cimo, na dobra do nada,
alcanço o teu corpo suspenso em crescendo
numa das páginas que voou desgarrada
empurrada por um sussurro do vento
vinda de uma história ensaiada
duma ficção baloiçada ao de leve imaginada
entre a memória e a gravitação vaga
cortando o ar desesperada
porque lhe fogem as árias, as fantasias, as sinfonias
porque lhe fogem as palavras que não se querem aprisionadas

Agarro todas as letras que esvoaçam hesitadas
as vadias,
as nascidas na raíz das conchas perdidas,
as que obedecem à espessura das ondas antigas
as tangíveis, as proibidas, as maltratadas
as que viajaram na roda riscada
forjadas em poses emocionadas
germinadas em plácidos bagos de luz destacados ou
em teoremas dum qualquer voo insigne
que pendiam sobre lagos vazios,
despovoados
feitos de todas as emoções silenciadas

Como um aracnídio ofegado
seguro numa só mão
todos os monstros que sobrevoam desalinhados
a extensão limitada que regula o meu espaço
uno-os, desfaço-os
faço deles uma corda de ocupação estrangeira
um torcido anastésico
um barbante encaixado no cérebro
com acomodação oportunamente sistemática
tornando todas as longuras
numa canção de efeitos mágicos
que do longe se faz perto
num tempo com poesia associada

Depois, pinto essa página desgarrada
com as cores cósmicas da madrugada
devagar,
lançando estucadas vibrantes no ar
sem a pressa oblíqua que devora o crepúsculo vespertino abreviado
associado aos teoremas dos planetas vizinhos
o seu aparecimento, distância e orbita planetária
dos quais não importa mesmo saber nada
urgente será
antes do sol eclodir
e a luz circular se erguer
desenhar uma ilha destacada
preenchida com cores que explodem com ímpeto
rebentam, quebram, arruinam,
como os enunciados das leis sobrenaturais
exortando causas primeiras,
uma alegria, uma ideia,
uma proposição filosófica derivada
um manancial de inspiração de uma gargalhada
desenhar todas as poesias
que aguardam os comandos
dessa corda que liga o cérebro
às projecções localizadas na extremidade dos meus braços
seguir o som dessa música que toca imparavel
e que desvela num idioma oculto
todas as palavras guardadas exultadadas pelo tremor das mãos
num movimento arabesco
suspenso
que ultrapasse os limites tumultuosos do razoável

CRV©2017

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