Numa rua inquieta
feita dum avesso escuro da vida
observo os que passam invisíveis
almas impregnadas de uma tristeza que grita
farrapos arrumados a um canto das biografias
renegados da sociedade
pobres que se passeiam pela nossa consciência
numa antecipada transcendência da sua morte física
Inesperadamente
estendem-me a mão
agarram-me os braços
puxam-me o casaco rogando atenção
e pedem perdão por suplicarem
por aspirarem à prodigalidade dos que nada têm
por um bocado de pão
por uma metamorfose da fome ignóbil
um rasgo de comiseração
um soco no estômago na amputação diária
um rasgar excepcional
da humilhação silenciosa subterrada
Rasgo o espaço viscoso em redor
espantando a melancolia exacerbada
dos que soletram murmúrios com lábios tristes
revolvendo com pás e forquilhas
as teias movediças dos afectos escondidos
promovendo um sorriso sustenido
depois um outro e um olá abstracto
lavrando rostos como arados ao vento
repartindo o pão
pequenas sementes secretas
que interrompem tormentos
por momentos
avidamente
a esperança não é um cepo queimado de ilusões
CRV©2018
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